Dia: 10 de maio de 2012

Inelegibilidade da homoafetividade

Antecedentes

A partir da proclamação da República, em 1889, os vínculos formais entre Igreja e Estado se enfraqueceram. Essa dissociação consolida-se de fato na Constituição de 1891, ao se oficializar o casamento dentro da esfera civil, por exemplo.

Um quarto de século mais tarde, outra legislação, o Código Civil, aborda novamente a questão familiar por meio de seus direitos e deveres. Nele, o modelo familiar ampara-se na vida rural, baseada no casamento, na hierarquia da figura paterna, na heterossexualidade e na monogamia; enfim, na chamada família tradicional.

A titularidade do lar cabia ao homem; à mulher, a submissão ao marido, com a responsabilidade pelos afazeres domésticos e pela criação dos filhos. A única forma legítima de formação da família era o casamento, considerado indissolúvel perante o Código Civil.

Ao longo do século XX, a sociedade brasileira transmudou-se rapidamente, ao acompanhar as mudanças comportamentais ocorridas na sociedade euro-americana, como a decadência do patriarcalismo, a revolução feminista e a afirmação dos direitos dos homossexuais.

Nesse sentido, a Constituição de 1988 referendou várias transformações sociais, entre as quais a do modelo familiar. Em seu artigo 226, a Carta Magna reconhece outras possibilidades de materialização do convívio familiar como união estável entre homem e mulher.

Além disso, a Constituição criou mecanismos para diminuir a dificuldade na dissolução do casamento, estabeleceu a igualdade de direitos e deveres dos cônjuges e a igualdade dos filhos, ainda que fora do casamento.

Tratamento das relações homoafetivas no mundo jurídico

Sobre o relacionamento homoafetivo, vários órgãos do Poder Judiciário têm-se manifestado nos últimos anos com vistas a incorporar ao ordenamento jurídico essa alteração comportamental de parte da sociedade brasileira.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), entendendo a relação homoafetiva como uma sociedade de fato e não como união estável, já reconheceu uma série de direitos aos parceiros dessa espécie de união, como em questões atinentes a patrimônio, pensão, partilha de bens, inclusão de companheiro como dependente em plano de assistência médica, etc.

Inelegibilidade reflexa ou por parentesco

Presente nas constituições brasileiras desde a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fevereiro de 1891, a regra de inelegibilidade reflexa de parentes do chefe do Poder Executivo está expressamente estabelecida na Constituição Federal de 1988 (art. 14, § 7º).

A norma estabelece que são inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consangüíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do presidente da República, de governador de estado ou território, do Distrito Federal, de prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

Assim como a inelegibilidade em geral, a de cônjuges e parentes de prefeitos, governadores de estado e presidente da República constitui impedimento ao exercício da capacidade eleitoral passiva, isto é, à candidatura a mandato eletivo. Segundo a doutrina e a jurisprudência, essa determinação tem por finalidade evitar a perpetuação de grupos familiares ou de oligarquias à frente do Poder Executivo, assim como o uso da máquina administrativa em favor de parentes.

A interpretação do dispositivo constitucional supramencionado, no que diz respeito ao cônjuge, evoluiu para abranger outras situações não previstas expressamente: casamento eclesiástico, concubinato e união estável são também considerados circunstâncias de natureza pessoal causadoras de inelegibilidade reflexa, igualmente ao casamento.

 

Do julgamento

Um passo importante na evolução do entendimento sobre inelegibilidade reflexa foi dado pelo Tribunal Superior Eleitoral nas eleições municipais de 2004, ao julgar o caso Viseu, município do estado do Pará. Pela primeira vez, o TSE enfrentou um caso concreto em que se discutia a incidência da inelegibilidade reflexa em decorrência de relação estável homossexual, mantida pela pré-candidata a prefeita e a prefeita reeleita daquele município.

Embora o juiz eleitoral de primeira instância tivesse reconhecido a inelegibilidade ao julgar o pedido de registro de candidatura, o Tribunal Regional Eleitoral do Pará reformou a decisão, considerando não caber ao Poder Judiciário, mediante interpretação analógica, ampliar o rol de inelegibilidades previsto na Constituição.

A decisão do TSE no julgamento do recurso especial reformou o acórdão do TRE/PA e concluiu que pessoas do mesmo sexo que mantivessem relação afetiva estável também se encontrariam submetidas à hipótese constitucional de inelegibilidade reflexa.

Os ministros entenderam que, apesar de o Direito de Família não reconhecer como entidade familiar a união estável – e outros institutos jurídicos semelhantes – entre pessoas do mesmo sexo, seria inegável a repercussão de tal relação em ramos diversos do Direito, inclusive na esfera eleitoral.

O Tribunal considerou, ainda, não haver distinção entre relações afetivas de natureza homossexual e heterossexual, em virtude da presença, em ambos os casos, de interesses políticos comuns contrários ao dispositivo constitucional que impede a utilização da máquina administrativa e a perpetuação no poder por parte de uma mesma família.

Desdobramentos

Ao conferir efeitos jurídicos às relações homoafetivas no âmbito do Direito Eleitoral, o julgamento do caso Viseu foi fundamental para determinar o alcance da inelegibilidade reflexa e assumiu importância histórica pelo ineditismo do caso sob julgamento.

Referências

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral nº 24.564, Brasília, DF, 1º de outubro de 1994. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/internet/jurisprudencia/index.htm >. Acesso em: 21 nov. 2008.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Embargos de Declaração em Recurso Especial Eleitoral nº 24.564, Brasília, DF, 2 de outubro de 1994. Disponível em: < http://www.tse.jus.br/internet/jurisprudencia/index.htm >. Acesso em: 21 nov. 2008.

CÂNDIDO, Joel J. Inelegibilidades no Direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Edipro, 2003.

MADALENO, Rolf. A inelegibilidade eleitoral na união estável. Revista do TRE/RS, ano 9, n. 19, jul./dez. 1994.

SIMONETTI, Karina Alves Gonzalez. Igualdade e direito nas relações homoafetivas. Orientação do Prof. Dr. Eduardo Bittar. Osasco, 2006.


João Paulo Melo Mascarenhas

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