Delação não pode ser usada para chefes culparem subordinados por crimes

02
out, 2015

A delação premiada não pode ser usada para poderosos culparem o baixo escalão por seus delitos, pois, se fosse assim, os criminosos confessos obteriam benefícios por revelar ilegalidades que eles mesmos mandaram cometer. Pelo contrário: o instrumento serve para “peixes pequenos” denunciarem os ilícitos de “tubarões”. Com esse entendimento, o juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, negou na quarta-feira passada (23/9) perdão judicial a três organizadores do esquema conhecido como “máfia dos sanguessugas”.

Revelado pela Polícia Federal em 2006, o arranjo envolvia vendas de ambulâncias superfaturadas por meio de licitações fraudulentas a prefeituras de diversas cidades. Os recursos para essas aquisições eram desviados do orçamento federal via emendas parlamentares. Mais de 80 deputados e senadores já foram citados nas investigações sobre o caso. Diversos deles já foram condenados após perderem o foro privilegiado, como João Batista dos Santos, o João Grandão (PT-MS) e Amauri Gasques (PL/SP).

Nesse caso, o Ministério Público Federal acusou Darci José Vedoin e seu filho, Luiz Antonio Trevisan Vedoin, e Ronildo Pereira Medeiros de terem coordenado o desvio de concorrências para a celebração de seis convênios para compra de veículos entre o Ministério da Saúde e a Sociedade Pestalozzi de São Paulo, atual Associação Brasileira de Assistência e Desenvolvimento Social. De acordo com os procuradores da República, eles cometeram os crimes de corrupção ativa (artigo 333 do Código Penal), estelionato contra entidade de direito público ou assistencial (artigo 171, parágrafo 3º, do Código Penal) e fraude a licitação (artigo 96 da Lei 8.666/93).

Os membros do MPF também denunciaram as ex-executivas da Pestalozzi Graciene Conceição Pereira, Marilene da Silva e Silva e Márcia Aparecida Antônia Rocha (acusada em outro processo) por estes dois delitos. Já Marlene de Jesus Chiaratti Falcão Rocha, também da entidade, foi imputado apenas o crime de fraude a licitação.

Os Vedoin e Medeiros firmaram acordo de delação premiada e confirmaram o esquema, que envolvia dinheiro das “cotas” dos então deputados federais da bancada evangélica Vanderval Lima Dos Santos (PL-SP), o Bispo Wanderval; Edna Bezerra Sampaio Fernandes (PTB-SP), conhecida como Edna Macedo, por ser irmã do bispo Edir Macedo; Marcos Abramo (PP-SP); e João Batista Ramos Da Silva (PTB-SP). Além disso, os organizadores das transações “sanguessugas” apontaram que as funcionárias da Pestalozzi participavam das negociatas. Por isso, em seus memoriais, o MPF requereu a condenação delas e o perdão judicial aos colaboradores.

De cima para baixo
O juiz Mazloum discordou do pedido dos procuradores da República. Segundo ele, não dá para comparar a atividade dos Vedoin e de Medeiros com a das mulheres da entidade. Isso porque elas “não tiveram acesso aos porões governamentais, onde mentores da trapaça urdiram, e de onde fizeram escorrer verbas públicas até ulterior subdivisão do produto obtido”. E as atividades que executavam eram legítimas, de boa-fé, e sem dolo, ressaltou o juiz federal. Devido a essa razão, ele absolveu Graciene, Marilene, Márcia (mesmo em outro processo) e Marlene.

Ao analisar a recomendação de perdão judicial dos organizadores do esquema, Mazloum destacou que os benefícios da delação premiada não podem ser concedidos indiscriminadamente. As informações prestadas devem efetivamente relar à descoberta de novos crimes e criminosos, algo que não aconteceu no caso, uma vez que as colaborações dos “sanguessugas” não alteraram em nada o quadro probatório da ação, afirmou o juiz federal.

Para ele, o objetivo do instrumento não pode ser favorável aos poderosos em detrimento dos subordinados, como ocorreu na situação, sob pena de diminuir a credibilidade das delações e da Justiça. “O instituto não se presta a estabelecer uma espécie de alforria para todos, do mais baixo ao mais alto escalão do crime. Todos livres! Isso seria o mesmo que conferir aos membros de uma organização um bill de impunidade, verdadeira imunidade absoluta, coisa jamais vista no direito internacional. Teríamos, no Brasil, uma casta intocável, intangível, colocada acima do bem e do mal para fazer o que bem entender, pois, se e quando, alcançada, um dia talvez, pela lei penal, bastaria ensaiar ares vestais de arrependimento, entregar ‘mulas’, o mordomo ou quiçá o gerente, para livremente sair o ‘tubarão’, o chefe do tráfico, em seguro revoejo”.

Mazloum se espantou com o fato de que os Vedoin e Medeiros obtiveram perdão em cerca de 130 processos, embora tenham confessado ser “os mentores intelectuais da trama criminosa”. Na sua opinião, esse tipo de atitude do Judiciário protege o “ápice da pirâmide de organizações criminosas que o instituto visa a atingir”.

Para não ser conivente com essa postura, o juiz federal rejeitou o pedido de perdão judicial dos Vedoin e de Medeiros e concedeu a eles apenas atenuante por terem confessado os delitos. Com isso, Mazloum condenou cada um deles a cinco anos e oito meses de reclusão por estelionato, ao pagamento de 198 dias-multa e ressarcir R$ 1,13 milhão aos cofres públicos.

Clique aqui para ler a íntegra da decisão.

Processos 0005616-66.2010.403.6181 e 0009405-97.2015.403.6181

Fonte: ConJur (por Sérgio Rodas)

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